quinta-feira, 29 de maio de 2008

Decadência chique



Voluntários com a Praia de Botafogo, muito antes de ter o viadutoDurante toda a minha vida morei em Botafogo e eu fui Botafogo(na verdade morei no limbo, entre Botafogo e Humaitá). Sujo, depravado, obsceno, subversivo e mesmo assim com algum charme e original.
Cada morador de Botafogo guarda em seu coração uma amargura. Alguns uma gigante, do tamanho de uma mesa grande da Tok&Stok que projeta uma sobra sobre o seu ego e oblitera a auto-estima, depois vomitam tudo numa mesinha de algum buteco da moda no baixo Humaitá.
Uma corja de quase artistas, quase atores, quase diretores de empresas, quase bem sucedidos que caminham pela as suas calçadas minúsculas, imundas e cinza, perguntando por que não conseguem desfilar com o seu IPod pela Lagoa ou pela Vieira Souto.
As duas coisas que ainda colocam um sorriso no rosto desses humanos de pouca sorte é o fato de seu orgulho não permitir eles morarem no subúrbio e que não estão tão velhos para morarem em Copacabana.

Botafogo é, e sempre será dos bêbados, dos mendigos(não é atoa que estou aqui), dos pedintes, dos camelôs e de centenas de boys com seus envelopes pardos entrando e saindo de bancos e pagando contas que nunca vão ter.
Ela é dos estudantes drogados dividindo cervejas, catando moedas e reclamando da rotina da escola e ou da faculdade ou do fim idiota de algum filme.
Sou eu comprando revistas e DVDs sobre ciência, história e pornografia, querendo dar aula de moral para os filhos e filhas de vizinhos. Como se eu fosse alguém depois de mais de 20 anos lendo livros.
O bairro é imundo das paredes a alma de seus moradores. Classe média clássica.
De esquerda festiva, burra e amedrontada. Que fica feliz quando o homem da pizza demora mais de meia hora e ainda acredita no Criança Esperança.

A Botafogo decadente esta-lá todos os dias, subindo e descendo as infinitas escadas rolantes de seu shopping ou dos elevadores. São os intelectuais assistindo filmes estranhos que só passam no cinema desse bairro. São os formadores de opinião, maldito leitores de Caros Amigos e viciados em capuchinho. São classudos, comem em lugares bizarros com temperos toscos.
Se sentem Deuses mas não acreditam nele.
Sou eu, enfrentando 2 horas de trânsito para atravessar de uma ponta a outra do bairro, que se andasse não daria mais de 15 minutos. Puto com os buracos do tamanho de pequenas crateras lunares que fodem com os pneus, amortecedores e a estrutura interia do pobre veículo. E quando chego em casa vou para o meu computador jogar alguma coisa idiota que me tire da realidade.

Subida do Humaitá, sempre com a porra do transitoA Botafogo obscena e subversiva saí a noite com o seu bando de cabelos coloridos e roupas que entram na moda por estarem fora dela. Eles têm anéis de prata, piercing, máquinas digitais, bebem pra caralho e tem drogas da boa. Não vem Lost mas estão mais perdidos em uma terra estranha do que qualquer um. Estão à procura da sua "vibe" e só acham depressão. Bebem cerveja com limão e sal na borda e se acham mais bonitos quando estão triste do que quando estão sorrindo.
Sou eu, amarrando o meu coturno num fradinho, ouvindo uma música da xuxa saindo de uma casa de festas, olhando alternativos com Allstar´s indo pra a Matriz enquanto porteiros assobiam para babas, fedendo a perfume barato que passeiam com os cachorros de suas patroas.
Cercado de pessoas que pensam ser interessantes por não serem normais e tão vivas quando os moradores do São João Batista, só que mais feias.

É essa Botafogo que eu levo comigo a qualquer lugar que eu vá. É esse Humaitá que deixo pra trás, quando desde março me mudei para ipanema. Deixo o meu querido maldito prédio velho, que só é meu agora nas lembranças. Que mesmo quando volto para vizitar a minha querida mãe, não ouço os ecos do passado e não derrubo lágrimas. Que mais se assemelha a uma vida passada, uma época esquisita que nunca vivi plenamente e nunca deixei de curtir uma única madrugada. Mas que com certeza alguma vez voltarei para lá, para a companhia dos bêbados, dos mendigos, dos pedintes, dos pseudo-intelectuais, dos estudantes drogados, dos alternativos e de toda a Botafogo, por esses torturosos caminhos que a vida vai me levar.

3 comentários:

Vinicius disse...

Mt EXCELENTE!
Dps dessa num volto em botafogo nem pra pedir esmola ou pra dormir debaixo da ponte, quero mais q se exploda (Salvo, pequenas extesões de quarteirão)
Abração

Lívia Teixeira disse...

Eu sempre morei e Botafogo, e ainda moro. É um desses cantos que dispersam para todos os outros e misturam várias opções de lazer e ócio.

Curto o aterro p esticar as pernas de manhã, de vez em qd apareço nos Brazookas, juntei umas esmolas p me associar à locadora da Estação, pego uns papelões perto do Hortifruti e por aí vai..

Defendo Botafogo! Além do que, bato altos papos com os amigos circenses da área do botafogo escada shops.

De qq forma, li o post como a um livro.. muito bem (d)escrito o Bairro!

Thiago Lehmann disse...

adorei.
a melancolia e ao envolvimento me fizeraqm suspirar aqui.
ainda mais a descrição das pessoas, que vou me dar ao direito de roubar pra algumas ocasiões.

ainda aprendo com botafogo, aos poucos e sem compromisso.
vamos ver o que ele tem a me mostrar que os outros bairros ainda não mostraram.

marmita para todos.